sábado

Quando foi...

ela, eu
azul, verde, olhos, goles,
olhos, lábios, bocas,
línguas, mãos, eu, ela,
cabelos, bocas, lábios,
laranja, ela, coxas, eu,
seios, lábios, dentes,
ela, mãos, quadris, eu,
bocas seios corpos
eu coxas ela ela
dedos eu ela línguas
dentes dedos lábios eu
ela...
ela...
ela...

Nathaly Guatura

quinta-feira

Enfermidade Sulnheira

"Ó, quem me dera não sonhar mais nunca
Nada ter de tristezas nem saudades."
Vinícius de Moraes

Suado.
Oco.
Atônito e faminto.
Visivelmente perturbado te negava e me aventuro novamente a dormir.
Naquela manhã sou tão Maiakóvski... “Transtornado, tornado louco pelo desespero”.
Abro os olhos e o ultrarromantismo de serem salgadas, no deserto, as minhas fontes, Deus meu, como me há ainda de doer.
Delírio, desisto de fatigá-lo, entojá-lo, socá-lo
em ferro,
em fogo,
em pau,
em pedra...
Desista, tu, de mim, pois não te sou direito nem direto.
Eu quis ser só um sujeito transitivo por aí, mãe,
Vagoso sem verbo, com complemento singular e indefinido.
Naquela noite eu sou subordinada à qualquer
oração ou prece
que me coubesse.
Mas em tudo sou acessório, mãe,
E eu quis teus braços!
Me acorde!
Me acode!
Me sacode!
Mãe, deixe que eu seja um bicho.
Eu não precisei ser integrante.
Deixe eu ser expletivo, vão, qualquer,
Futilizado porém lúcido.
Me deixe qualquer coisa, mãe!
Só não me deixe mais sonhar!


Nathaly Guatura

terça-feira

Acaso

Meu bem, pensando em ti, andando eu ia.
E quando encontro-te assim, tão de repente
Arrependo-me amarga e infinitamente
Por não te ter ganhado enquanto podia.


Nathaly Guatura


“O Machado era de Assis.
A Rosa, do Guimarães.
A Bandeira, do Manuel.
Mas feliz mesmo era o Jorge
que era Amado.” 

Negava a bandeira e partia a rosa no machado, pudesse ser Jorge.

Nathaly Guatura

Meu amor já não és

Meu amor já não és,
Acometida farsa minha
Deleitoso sonho meu
Venenosa esmola divina
(Ou que cri, eu, vinda do céus)

Meu amor, já não sou
Eu, que não posso mais.
Sou outro onde posso
Que não sejas jamais
Amor.

É preciso somente que
Não seja eu para que não
Sejas mais amor, amor,
Em mim.

Contudo, já não és
O cuidado que me deste,
O sorriso que fizeste.
Mudou-se que saíste,
Meu amor.

Já não és, meu amor,
A chance que pedi
No momento em que perdi
As estribeiras, amor
Que não, não é meu.

Falho na empreitada
Onde far-me-ia teu
Amor que pediste
Ou que fingiste
Procurar, meu amor
Que não és.

Meu amor já não és.
Foste, mentira linda!
Sincero atraso no dia
Do dia em que seria
O princípio, que não foi.

Não és, brevidade magnífica,
Desordeira meticulosa
Do alheio coração, meu amor,
Que fizeste não mais eu.

Meu amor já não és.
E perdoa-me, pois não posso,
Não dou verso ao desamor.
E bota fé que é com pesar
Que procuro o apagar
Do que não és,
Do que não somos.

Meu amor, já que sim, és
Motivo de rima, de rumo
De tudo no tanto, no entanto
Não és nada.

Meu amor já não és.
Se não existes,
Não existo eu.

Sem consumir-te,
Ausente consumar-te,
Ainda sim, meu amor,
Permanecerás.


Nathaly Guatura

Cabimento

“Se eu te escrevi é porque não cabia mais em mim.
(Ainda que fosse amor).” - Antônio

Não cabia, querido, e não cabe
Que meu coração... Ele não sabe...
Não sabe de nada! Pobre de mim,
Pois eu era vasto. Ah! Eu era sim!

Mas depois de ti, eu sou curto.
E eu sou curto e eu sou só.
E não caibo em mim.
E não caibo em ti.

Amor não cabível,
Acabe!

Nathaly Guatura

Um Guardanapo

Com essa mania
De Poesia,
Eu te perdi no rumo
Da Prosa.
Tentei te encontrar
Na taça,
Mas o vinho era
Distinto e
Me tomou
No seu lugar.

Nathaly Guatura

Urgência

Eis-me aqui novamente em tanta súplica perante as velas
Mentindo que mentisse quando punha-me a considerar
Que das belezas mais amáveis que a vida ousa me negar
Tu foste (inda é), desesperadamente, a maior de todas elas.

Escrevo, assim, mais que sorumbáticas letras atemporais
Das saudades que eu sentia de nossos utópicos carnavais.
Mais que a desventura dos vestígios que me vieste exalar.
Muito mais que o destempero deste pedaço de meu pesar.

Alerta-me de tua existência, lança-me um brado, um ruído
Que reexista contigo o ser que conheceste, que já não sou
Sem ciência do que outrora fui, hoje somente animal aluído
Tomado do instinto, num deletério ímpeto busca-lo, eu vou!

Em tua busca, desatinei praça em praça por toda essa Minas
Caindo agora, sob esse céu sem luar, ao som de coisa alguma
Avistando absolutamente nada senão previsões matutinas
Descanso os olhos e de repente, não mais existo, em suma.

Amanheço bicho oco.
Um bicho repleto.
Um bicho alucinado pela saudade.


Nathaly Guatura

Rouxinol

Que saibamos deixar ser com naturalidade
Como o invasivo princípio extravasado
Jamais desesperemo-nos pelo passado
E vivamos com a força de uma saudade

A plenitude da felicidade que se conteve
Dentro das palavras ditas pelo teu olhar
E da bela distância que não nos deteve
No ímpeto desta coragem de nos ganhar

Que saibamos deixar ser com naturalidade
Um encontro pelo fio das moiras fadado
Se agora desenlace desprovido de ebriedade
Quiçá pelo irônico e cego acaso propiciado

Que saibamos deixar ser com total naturalidade
Essa estranheza que não cessa em seu manifesto
Que não se deterá tampouco por desespero deste gesto

Que saiba eu, meu amor, respeitar nossa tenra idade
Que a singularidade de nosso repentino e devasso querer
Finde natural maneira surgiu, não sabendo se manter

Que eu seja capaz de suportar ao encontrar a compreensão
De que jamais a naturalidade inibiu da dor, sua total ascensão.
                        
Nathaly Guatura